Diretor: 
João Pega
Periodicidade: 
Diária

Grato a Greta


quarta, 02 outubro 2019

Esta quinzena tem sido marcada por um debate muito importante a que eu não consigo, nem quero fugir. O assunto é a saúde do nosso planeta e o mote dado por Greta Thunberg, a pequena-enorme adolescente sueca de 16 anos, no seu recente discurso na Cimeira da Ação Climática da Organização das Nações Unidas. “How dare you?”, questionou, de olhar furioso e dentes cerrados, com o dedo bem apontado aos principais protagonistas políticos do mundo, a quem acusou de traírem as gerações mais jovens. A mensagem é clara, concisa, importantíssima e indesmentível. A mensageira foi diagnosticada com a síndrome de Asperger, uma forma de autismo, além de transtorno obsessivo-compulsivo e mutismo selectivo, mas, para ela, “ser diferente é um superpoder”. Talvez a sua assertividade e a sua brutal sinceridade provenham daí, mas para muitas pessoas tudo isso não passa de um embuste, de uma encenação. Greta é vegetariana e activista pelo direito dos animais, o que talvez ajude a compreender o porquê de ser tão odiada... mas o que se tem lido ultimamente é de levar as mãos à cabeça. Greta alimenta paixões e inspira milhões de jovens e adolescentes como ela, mas, ao mesmo tempo, provoca em adultos maduros o mais pueril dos ódios. Porque será que isto acontece? Por causa do que ela representa. Numa época em que a democracia está sob ataque, ela é a imagem do surgimento de um novo tipo de poder: a convergência da juventude, o protesto popular e a ciência irrefutável. Para os seus detractores mais acirrados, ela também representa uma outra coisa, muito relevante: a visão da sua própria obsolescência, aproximando-se rapidamente, cada vez mais iminente. Incapazes de desmantelar o conteúdo dos seus argumentos, os críticos concentram-se sobretudo na figura da adolescente, e na forma do seu discurso, cuja mensagem é preciosa. O hype criado por Greta é brutalmente necessário e, sendo ou não teatralizado, é esse mesmo efeito de choque, e de espanto que é preciso causar neste mundo, neste preciso momento. “How dare you?” É mesmo por aí... Greta lembrou que “há ecossistemas inteiros a entrarem em colapso” e que “estamos no início de uma extinção em massa”, mas insistiu que não se estão a fazer os esforços suficientes para se combater o aquecimento global: “Tudo aquilo de que sabem falar é de dinheiro e de contos de fadas sobre o eterno crescimento económico.” A mensagem é extraordinariamente alarmante, mas, ao mesmo tempo, é necessária. Brutalmente necessária. Temos um problema terrível em mãos, e o primeiro passo para o resolver é não o desdenharmos. Pessoalmente, estou grato a Greta. Muito grato. O seu exemplo é uma dádiva.

 

A Greta é uma menina cuja demanda é absolutamente admirável. É um ícone, é o símbolo da revolta de milhares de milhões de crianças, jovens e adolescentes que vêem o seu futuro quase irremediavelmente comprometido, à custa da nossa profunda irresponsabilidade, e das gerações que nos antecederam. Não compreendo a natureza dos ataques à genuinidade do seu discurso, mas, se calhar, sou eu que estou a ser um ingénuo. A mensagem em causa, que é o que realmente nos deve importar, parece-me absolutamente incontestável. Muito mais importante do que nos julgarmos todos uns aos outros, deveria ser começarmos realmente a fazer alguma coisa pela saúde do nosso planeta, pouco ou muito, seja o que for... mas o que vemos é uma menina autista com um discurso emocional e muito revoltado, carregadinha de razão até às pontas dos cabelos, e o que nos move é querermos saber quem ou o que é que poderá estar por trás dessa mesma menina… os respectivos lobbies ou o raio que os parta. Com certeza que alguém a ajudou a escrever o respectivo discurso, que deve ter sido ensaiado umas quantas vezes à frente de um espelho. Ainda bem que assim foi. O hype daquelas palavras é uma verdadeira graça divina para todos, uma valente pedrada no charco que é a nossa resignação global perante uma iminente extinção em massa... uma tese que está devidamente sustentada pela ciência e não por um eventual delírio de Greta. Precisamos desesperadamente de mais exemplos como o seu. “How dare you? É mesmo por aí...

Greta captou logo a minha atenção há pouco mais de um ano, quando foi noticiada a sua deserção à escola, dando início a uma greve pelo clima que foi amplamente difundida no mundo inteiro. Era uma menina de apenas 15 anos. Na altura, achei aquilo absolutamente admirável. Pelos vistos, não fui só eu, dado que inspirou e continua a inspirar diariamente milhões e milhões de pessoas para uma luta determinante pela nossa sobrevivência, que somos imprescindivelmente obrigados a travar. Em Março deste ano, Greta Thunberg foi indicada para o Prémio Nobel da Paz, cujo vencedor será divulgado este mês. Estou obviamente a torcer por ela. Seria mesmo muito importante para reforçar este combate.

Eu estou grato a Greta. Profundamente grato. Creio que devíamos todos estar. O seu exemplo é uma verdadeira bênção.