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João Pega
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Diária

Património Imaterial Etnobotânico na Serra do Buçaco


quarta, 09 janeiro 2019

Conhecimento e utilização das plantas silvestres da Serra pela população residente

Desde a sua emergência como espécie os humanos têm sido intensamente curiosos acerca das plantas, submetendo-as a observações e manipulações, e classificando-as pelas suas características físicas e pela sua utilidade. O conhecimento sobre as propriedades e usos das plantas foi conseguido nos mais variados contextos, fazendo parte, ontem e hoje, das culturas erudita e popular. A diversidade da flora existente no planeta é imensa (cerca de 400.000 espécies) o que permite que cada grupo cultural possa ser detentor de um conhecimento botânico singular. A Etnobotânica é a área científica que se dedica à análise desta relação de cada povo com as plantas do seu entorno e a registar por escrito este património imaterial que é uma parte importante da nossa história.

Em 2016 realizei um estudo etnobotânico no âmbito do meu Mestrado, na Serra do Buçaco (por possuir um perímetro florestal contínuo, contendo várias aldeias com um certo nível de isolamento). Foram aplicadas entrevistas a alguns moradores de gerações diferentes das localidades de Luso, Várzeas, Salgueiral, Almas do Encarnadouro, Sula, Carvalheiras, Cerquedo, Moura e Meligioso. Foram mencionadas pelos moradores 99 espécies de plantas silvestres úteis que existem ou existiram na zona, o que representa um conhecimento bastante rico. Quando questionados sobre plantas medicinais, os moradores mais antigos rapidamente resgatam da sua memória histórias muito interessantes sobre infusões, emplastros e soluções tópicas que antigamente eram utilizados para aliviar problemas de saúde, quando a medicina moderna ainda não era tão acessível como hoje. Por exemplo a Erva-formigueira (Chenopodium ambroisioides), juntamente com azeite e broa assada na brasa, era utilizada na preparação de um emplastro para tratar pisaduras. As Contas-de-norça (Tamus communis) colocadas em aguardente vínica dão origem a uma solução para aplicação cutânea que ajuda a tratar afeções articulares e dos ossos, especialmente nas pernas. A maioria dos informantes reconheceu a eficácia das plantas medicinais para os respetivos propósitos terapêuticos.

Registou-se também um grande número de plantas silvestres alimentares que atualmente não fazem parte da nossa alimentação quotidiana como as Leitugas, os frutos do Sabugueiro (Sambucus nigra) que podem ser consumidos em compotas, as flores da Erva-de-sete-sangrias (Lithodora prostrata), as Merujes (Montia fontana), etc. Foram ainda mencionadas várias plantas utilizadas para fins supersticiosos, plantas utilizadas como matéria-prima (por exemplo a flor de Carqueja antigamente usada para encher almofadas), e também plantas para suporte agrícola. No geral as mulheres demonstraram conhecer mais plantas do que os homens.

A quase totalidade (97%) dos informantes considera importante preservar o conhecimento sobre plantas, seja para usar ou “pelo menos para conhecermos”. Os jovens entrevistados mostraram conhecer 70% menos sobre as caraterísticas das plantas que mencionaram do que os seus avós, e 55% menos do que os seus pais, o que indica uma significativa perda de conhecimento ao longo das gerações. A caraterística mais desconhecida pela população mais jovem é a época de colheita da planta para os respetivos usos, o que demonstra um desconhecimento crescente das pessoas sobre os ciclos de vida das plantas que as rodeiam. Contudo começa a despertar um novo interesse em recuperar este conhecimento, especialmente por parte da geração com idades compreendidas entre os 40 e os 60 anos, o que parece estar em conformidade com um novo movimento geral na sociedade ocidental de procura por produtos mais “naturais” do que os comercializados, que são conotados como mais saudáveis e ecológicos.

O texto completo pode ser consultado no repositório online da Universidade dos Açores.

 

Legenda Fotográfica: Emplastro de Erva-formigueira.